quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

Sistema Dunar “Guincho-Cresmina”
 Exemplo da interdependência entre a Geodiversidade e a Biodiversidade

As dunas são estruturas móveis resultantes da acumulação de areias transportadas pelo vento, nas quais as plantas têm um papel fundamental no seu processo de formação. São estruturas geológicas frágeis mas muito importantes, porque assumem um papel de proteção dos terrenos interiores da subida do nível do mar (Núcleo de Interpretação da Duna da Cresmina). São considerados ecossistemas que estabelecem a transição entre os sistemas marinho e terrestre, constituindo barreiras naturais a fenómenos de galgamento marinho, a inundações e erosão provocada por ventos marinhos. Os sistemas dunares são conjuntos de dunas organizados principalmente de acordo com as condições do vento de um dado local e, visto que estas raramente aparecem isoladas, constituem a forma mais comum de ocorrência das dunas. (Carapeto, 2013). 


                                         Foto 1 – Dunas Guincho-Cresmina

Os sistemas dunares costeiros são sistemas extremamente dinâmicos e sensíveis, sofrendo alterações, ao longo do tempo, de acordo com as pressões a que estão sujeitos. Do ponto de vista da conservação, os sistemas dunares costeiros são considerados como habitats naturais com um elevado valor conservacionista. (Silva et al). A natureza dinâmica destes sistemas cria paisagens com uma topografia variável, fornecendo uma variedade de habitats.


                                           Foto 2 – Dunas – Praia Grande do Guincho

As dunas do Guincho-Cresmina são uma pequena parcela do complexo Guincho-Oitavos, localizado no Parque Natural Sintra-Cascais.São um sistema ativo e muito instável devido à constante mobilidade das partículas arenosas pelos ventos fortes que se apresentam na direção Noroeste-Sudeste. Este sistema dunar é bastante particular pois a areia proveniente das praias do Guincho e da Cresmina volta ao mar mais a Sul (entre Oitavos e Guia), após migrar sobre a plataforma rochosa aplanada do Cabo Raso.
Este Sistema Dunar abrange a Praia Grande do Guincho e a Praia da Cresmina, ambas com elevada afluência de veraneantes. Também são procuradas por praticantes de surf, windsurf e kitesurf, sendo a Praia Grande do Guincho palco de campeonatos mundiais destas modalidades o que provoca pressão sobre este elemento da Geodiversidade.
Os complexos dunares estão geograficamente associados ao litoral e são constituídos, do lado do mar, pela base da duna embrionária ou frontal, pelas dunas frontais em formação, pelas dunas frontais semi-estabilizadas, localizadas mais para o interior, e por outras dunas móveis, cuja morfologia resulta da movimentação da própria duna (dunas secundárias). No sistema dunar Guincho-Cresmina  avistam-se dunas de vários tipos:

Dunas móveis embrionárias – representam os primeiros estádios de vegetação dunar. São constituídas por superfícies de areias elevadas, na faixa mais elevada das praias ou pela franja paralela ao mar na base das dunas altas. As espécies vegetais características deste habitat são Elymus farctus (Foto 3), Euphorbia peplis e Eryngium maritium. A primeira comunidade a se instalar é muito simples, dominada por uma planta muito resistente à salinidade – o Feno-das-Areias (Elymus farctus). Esta planta, de crescimento muito rápido, possui longas raízes que fixam com eficiência as areias móveis onde se desenvolve. O seu rizoma (muito flexível) estende-se por grandes extensões, colonizando toda a praia alta desde que não exista perturbações do processo. Infelizmente, a sua localização coincide com zonas de passagem dos banhistas e o pisoteio frequente leva à sua quase destruição. O estabelecimento desta espécie vai funcionar como obstáculo ao vento, que ao ser travado, deposita a sua carga de areia formando-se gradualmente uma elevação.


                                          Foto 3 - Duna embrionária com Elymus farctus

Dunas brancas – são dunas móveis que constituem os cordões arenosos mais próximos do mar. Resultam de acumulações sucessivas das areias provenientes do transporte eólico, e que são barradas por tufos de Estorno ( Ammophila arenaria). Os seus rizomas de  crescimento contínuo e as raízes a vários metros de profundidade, permitem que a acumulação de areias atinja dezenas de metros em altura. As espécies vegetais características são Ammophila arenaria, Eryngium maritium, Euphorbia paralias, Cutandia maritima, Armeria welwitschii.

Dunas cinzentas - são dunas fixas com vegetação herbácea (líquenes e musgos). Formam habitats riquissímos. As espécies vegetais que se encontram neste habitat são a Omphales kuzinskyanae, Bromus hordeaceus, Carex arenaria. A fauna está representada pela lagartixa-de-dedos-denteados e pela víbora-cornuda.


                                         Foto 4 - Praia Grande do Guincho (visível a Duna Cinzenta, a Duna Branca e a Duna                                                                                              Embrionária)


Ameaças ao Sistema Dunar e Propostas de Conservação

As dunas são sistemas instáveis, geologica e ecologicamente frágeis, mesmo quando estabilizadas pela vegetação, sendo perturbadas por qualquer alteração. (Costa & Sousa, 2009). Quando a vegetação é destruída, a areia solta não oferece resistência e o vento age de forma intensiva, avançando rapidamente e colocando em risco todo o sistema dunar. No sistema dunar Guincho-Cresmina, a existência de barreiras impermeáveis como a estrada do Guincho, restaurante e estruturas de apoio, estreitou o corredor de transporte de areia, passando a deposição de sedimentos a efetuar-se numa zona mais afastada da linha de costa. Esta situação, conjugada com o excessivo pisoteio conduziram à degradação e fragmentação da vegetação, que como já foi referido no decorrer deste trabalho, tem um papel fundamental na conservação das dunas. Assim tendo em vista a recuperação do cordão dunar foram desenvolvidas algumas ações para a conservação deste ecossistema:
- Limitação do acesso à área de intervenção através da colocação de vedações;
-Colocação de estruturas biofísicas construídas por varas secas de vime (Salgueiro) e instaladas nas dunas embrionária e primária;
- Erradicação de espécies exóticas invasoras (Acacia spp.) e plantação de espécies dunares (Ammophila arenaria);
- Estabelecimento de um percurso em passadiço sobre-levado de madeira (2 km) com acesso à praia e ligação a um núcleo de interpretação que permite apoiar a visitação.


                                           Foto 5 – Passadiço de madeira


                                 Foto 6 - Duna cinzenta, colonizada por um abundante tapete de vegetação e observando-se uma estrutura impermeável, de acesso ao restaurante que divide a duna cinzenta do resto da praia.


                                   Foto 7 - Estruturas impermeáveis: pista pedonal e estrada na Praia Grande do Guincho




Referências Bibliográficas

BOTELHO, Ana; GOMES, Pedro; CARVALHO, GASPAR (2002). Sistemas Dunares do Litoral de Esposende. Universidade do Minho.
CAMPELO, F; MARCHANTE, H; FREITAS, H. Ecologia do Género Acácia nos Ecossistemas Dunares Portugueses .
COSTA, Jesus; SOUZA, Rosemeri (2009). Paisagem Costeira e Derivações Antropogénicas em Sistemas Dunares. Scientia Plena, vol. 5, nº10. São Paulo.
CRISTINA, Carapeto (2013). Sistemas dunares: ecossistemas frágeis e preciosos. Lisboa. Editora Bubok.
PINHO, P. (et al) – Estudo de Indicadores de Vulnerabilidade de Sistemas Dunares: um contributo para a gestão integrada de zonas costeiras. Universidade Nova de Lisboa.

Outros:
Folheto informativo do Núcleo de Interpretação da Duna da Cresmina (Câmara Municipal de Cascais)
Fotografias – todas da minha autoria (12 Abr.2014)

quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

Ameaças à Geodiversidade

Segundo Gray (2008), existe uma tendência natural para considerar que a Biodiversidade é frágil e vulnerável, enquanto que as rochas e as montanhas são vistas como estáveis, estáticas e sem necessidade de proteção. Sendo que a componente abiótica é a base fundamental para a componente biótica, torna-se igualmente importante o reconhecimento tanto das ameaças como dos valores da Geodiversidade para que as estratégias de conservação sejam coroadas de êxito (Farias & Pereira, 2016).



Foto 1 – Serra da Arrábida
(A revista de janeiro deste ano da National Geographic Portugal trazia um calendário de parede com fotografias da serra da Arrábida, enaltecendo a sua bio e geodiversidade e a sua invulgar confluência de património natural e cultural na região).


Em termos gerais as ameaças à Geodiversidade resultam da dinâmica natural do Sistema Terra, nomeadamente as relações inter e intra-específicas dos ecossistemas, as atividades sísmicas e vulcânicas e os fenómenos climáticos extremos. As alterações induzidas pelo homem e que conduzem a uma perda de Geodiversidade podem ser diretas ou indiretas (Gray, 2008).


Ameaças diretas
Estas alterações estão diretamente relacionadas com a extração mineira, a deposição de resíduos, as alterações no uso dos solos, a expansão urbana, a proteção costeira (por exemplo, a construção de diques), as atividades agrícolas e turísticas não sustentáveis, a florestação/desflorestação, e a recolha de amostras sem fins científicos. Estas alterações provocam a perda total, parcial ou dano físico de elementos da Geodiversidade ou do seu acesso e visibilidade. Também provocam impactos visuais, poluição e interrupção dos processos naturais (Gray, 2004).


Foto 2 – Extração de inertes (areia)


Foto 3 – Comércio ilegal de fósseis da Chapada do Araripe


Foto 4 – Gruta de S. Vicente – Madeira



Foto 5 – Gruta de Mira D’Aire


Foto 6 – Bancadas de Calcário do Cretácio (Av. Calouste Gulbenkian em Lisboa)


Ameaças indiretas
Estas alterações estão relacionadas com a demografia humana, a erosão e as alterações climáticas. Para além disso, a iliteracia cultural, a falta de formação na área das ciências (nomeadamente a Geologia) e a não atribuição de valores à Geodiversidade são factores que promovem atitudes favoráveis à perda do património geológico.



Referências Bibliográficas
FARIAS, Thiago, PEREIRA, Luciano (2016). Os valores e ameaças à Geodiversidade: um olhar sobre João Pessoa – PB e Litoral Sul do Estado. Revista da Anpege. Vol. 12, nº17, p.141-166.
GRAY, Murray (2008). Geodiversity: a new paradigm for valuing and conserving Geoheritage. Geoscience Canada. Vol.35, nº2.
GRAY, Murray (2004). Geodiversity: valuing and conserving abiotic nature. John Wiley & Sons, Ltd.
Imagens
Fotos 1 a 5 – Google images

Foto 6 – sopasdepedra.blogspot.com (blog do Professor Galopim de Carvalho)

terça-feira, 6 de dezembro de 2016

Conceito e valores da geodiversidade
Fala-se muito da biodiversidade, mas só agora se toma consciência de uma das suas bases – a geodiversidade.
De facto, a geodiversidade é a componente abiótica dos ecossistemas e é essencial para a manutenção da biodiversidade.
De acordo com a Royal Society for Nature Conservation do Reino Unido a Geodiversidade “consiste na variedade de ambientes geológicos, fenómenos e processos ativos que dão origem a paisagens, rochas, minerais, fósseis, solos e outros depósitos superficiais que são o suporte para a vida na Terra”(Brilha,).

Os valores da geodiversidade podem ser agrupados do seguinte modo (Gray 2004 citado por Brilha):
-valor intrínseco, refere-se ao valor da geodiversidade por si mesmo, independentemente da sua utilidade para o Homem ou para outros seres vivos.
-valor cultural, estando relacionado com aspectos culturais que surgiram na dependência das características geológicas atuais.
-valor estético, porque todas as paisagens têm um valor estético. É a geodiversidade que modela as paisagens, originando formações de grande beleza.
Os valores estéticos e culturais poderão ser interdependentes em algumas paisagens, como é o caso da Paisagem Cultural Evolutiva e Viva do Alto Douro Vinhateiro.



Fig. 1 – Alto Douro Vinhateiro (fonte: Google images)

-valor económico, talvez o valor mais objectivo e compreensível, dado que o Homem esteve sempre habituado a atribuir um valor económico a bens e serviços. Os recursos geológicos podem ser agrupados em metálicos (de onde extraem os elementos metálicos, como o ferro, o magnésio, o zinco); os não metálicos (usados na indústria química, como os fertilizantes, as águas minerais) e os energéticos (usados como fonte de energia, como por exemplo os combustíveis fósseis e o urânio).
-valor funcional, é um conceito que normalmente não é aplicável à Conservação da Natureza. O valor funcional da geodiversidade pode ser encarado como o valor da geodiversidade in situ e enquanto suporte para a vida,.
-valor científico e educativo, é um conceito abrangente e importante tanto para a investigação científica (por exemplo, a existência de fósseis em estratos rochosos que permitem a datação da formação rochosa) como para a educação no domínio das Ciências Naturais (por exemplo a observação de formações rochosas em saídas de campo).

Referências Bibliográficas

BRILHA, José (2005). Património Geológico e Geoconservação: a conservação da natureza na sua vertente Geológica. Palimage Editores. Braga.